Umas verdades de um senhor alfinete

 Eu voltei!!!

 Como foi a sua virada de ano? Não pulou as sete ondinhas? Que absurdo!

... Brincadeiras à parte. Espero que ninguém tenha tenha ido à praia só para "honrar a tradição". 

    Imagino que assim que você viu o meu novo post deve ter pensado: "O ano mal começou e ela já está escrevendo?! Que pique!". Bom, eu tenho duas coisas para te dizer: 1) o ano no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, só começa depois do carnaval, e eu não tenho a mínima vontade de esperar até lá; 2) o que você não sabe, é que eu resolvi me dar férias. Em novembro, eu escrevi os posts de dezembro (três posts) e esse aqui também. É provável, que eu não consiga me conter e acabe escrevendo mais. Porém, caso eu consiga realmente tirar férias, eu posso ir em paz. 

Bom, vamos ao que interessa!

    Se você tem me acompanhado, já deve ter notado que esse blog também é cultura! Hoje, eu trouxe um conto de Machado de Assis. Você deve estar pensando: "O que te leva a pensar que eu gostaria de ler isso?". Calma, eu explico. Eu trouxe isso como um toque, uma palavra de amiga. Tem muita gente que é gentil demais e acaba sendo trouxa (e eu não estou me referindo aos não majs). Eu mesma não tenho certeza se já me curei disso. 


Um apólogo¹

Machado de Assis





Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

– Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?

– Deixe-me, senhora.

– Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável?

Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

– Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

– Mas você é orgulhosa.

– Decerto que sou.

– Mas por quê?

– É boa! Porque coso.² Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

– Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?

– Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

– Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...

– Também os batedores vão adiante do imperador.

– Você imperador?

– Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

    Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos³ de Diana⁴ – para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

– Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.

    A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas.

    A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

    Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho⁵, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando⁶, a linha, para mofar⁷ da agulha, perguntou-lhe:

– Ora, agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas⁸? Vamos, diga lá.

    Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

– Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

    Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: – Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária⁹!

Glossário:

1. Narrativa em prosa ou verso, geralmente dialogada, que apresenta uma lição moral, e em que figuram seres inanimados, supostamente capazes de falar.

2. Costuro.

3. Cães de caça.

4. Deusa da caça, na mitologia grega.

5. Antiga peça da vestimenta feminina, usada sob o vestido, à maneira do sutiã, para realçar o colo e a cintura.

6. Prendendo com colchetes, grampos.

7. Zombar.

8. Empregadas.

9. Reles, sem valor.


    No conto, “O apólogo”, de Machado de Assis, é narrada uma discussão entre uma agulha e um novelo de linha. A agulha põe-se a provocar o novelo de linha. Ambas são muito vaidosas. O novelo age como quem está certo de sua superioridade, enquanto a agulha tenta desesperadamente demonstrar que é superior. 

    Neste conto, Machado de Assis ilustra, por meio da metáfora, uma situação vulgar, a qual nos permite analisar alguns aspectos da sociedade, entre eles: o ciúme, a vaidade e inveja. Nele também é possível contemplar dois tipos de pessoas: os que são superiores e os que tentam impor superioridade. O último, costuma ser inseguro, e no fundo se sente inferior. Ele tende a se impor e depreciar os demais, os quais são supostamente inferiores. Quando a pessoa é superior e sabe que se é, basta agir como tal, ignorando e menosprezando seus inferiores. Sua essência deve intimidar sem esforços. Ele poupa seu fôlego dos indignos, da ralé.

    No fim, o alfinete interfere no falatório e aconselha à agulha que poupe seu fôlego: enquanto trabalha, o novelo de linha põe-se gozar da vida. Nesse ponto, também se torna claro outros dois aspectos da sociedade: o que trabalha e não tem seu trabalho reconhecido e o que não faz nada e leva o crédito pelo trabalho feito. Por isso, o conto permanece atual: um sinal para as agulhas ingênuas, que ainda creem ser alguém; um sábio conselho de um alfinete, aos desiludidos e aos que restaram, uma duvida: serei eu, a agulha de alguma linha ordinária?


   Muito obrigada por ter lido, espero que tenha gostado. Deixe algo nos comentário, eu irei adorar ler e terei o prazer de responder! 😃



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